(Escrevi esse post a mais de um ano, quando realmente fui pesquisar preços de tatuagens porque planejava fazer uma, mas por algum motivo nunca cheguei a publicar. Essa é a história.)

     Imagina só a situação: você acorda um dia, toma uma bela xícara de café, e pensa: "hmmmmm, acho que vou fazer uma tatuagem". Fácil, não é? É só escolher um desenho, escolher um lugar no corpo pra colocar o desenho, ir ao estúdio e bzzzzzzzzzzzzzz, tá pronto. Só que não.

     Pra fazer uma coisa definitiva como essa você precisa de tempo pra planejar, pensar se é mesmo esse desenho que você quer marcado no seu corpo pro resto da vida, pesquisar se o tatuador é bom, perguntar se seus pais não vão te deserdar se você fizer uma tatuagem escrito "TODOS A BORDO" bem na... Enfim, são várias as preocupações que você deve ter antes de fazer uma tatuagem.

      E é por isso que, quando você acorda um dia, toma uma bela xícara de café (que eu desconfio que deve ter em mim o mesmo efeito que duas taças de vinho tem na maioria das pessoas), e pensa: "hmmmmm, acho que vou fazer uma tatuagem", esse é exatamente o momento em que você NÃO deve decidir fazer uma tatuagem.

     Claro que ninguém informou isso pra Gabe. E nem pra mim, depois que eu tomei a bela xícara de café. Depois de eu mandar alguns designs que eu achei que ficariam interessantes, Gabe teve a ideia brilhante de ir a alguns estúdios fazer uma avaliação de preço. Tudo bem, sem compromisso nenhum, só uma visita. Vamos lá.

      E nós fomos. Passamos no estúdio que tinham nos recomendado, conversamos com o pessoal, decidimos que aquele era provavelmente o melhor e mais barato da cidade. Ainda não sabíamos o que fazer, em qual local do corpo fazer, mas sabíamos que seria naquele estúdio.

     Mas claro, o dia ainda era uma criança. Ninguém tinha nada pra fazer, o carro tinha gasolina, e nós tínhamos quase 60% de certeza de que havia outro estúdio em uma esquina em algum lugar, então por que não procurar? O que poderia dar errado? Quer dizer, nós não sabíamos o nome, não conhecíamos ninguém que já tinha feito tatuagem com ele, não sabíamos o nome do estúdio, não sabíamos nem o endereço, mas sério, o que poderia dar errado? O café não me deixou pensar o quanto aquilo parecia com um filme de terror.

     Começamos a procurar o lugar, entrando em ruas onde talvez tivesse uma esquina, lá pra baixo, onde tinha um estúdio, e nada. Por uns 10 minutos rodamos um espaço de uns 3 quarteirões, em todas as direções possíveis, até que encontramos o estúdio. Gabe estacionou lá na frente e nós descemos.

     A casa parecia com o tipo de lugar que Hank, do Breaking Bad, encontraria uma gangue morta de overdose. Senti um medinho, meu coração palpitou um pouco, mas nós andamos até a porta. Ela estava trancada e as luzes lá dentro apagadas então começamos a andar de volta até o carro, quando alguém começou a destrancar a porta. Saiu de lá um senhor, de cabelos brancos, óculos, alargador, aquelas barbinhas de bode e uma cara de quem utiliza ervas pra uso recreativo umas duas vezes por dia, o tipo de descrição que você ouviria em Tatuagens Desastrosas, o tio de um ex-namorado que concordou em tatuar borboletas numa menina de 16 anos usando o equipamento que ele guardava numa van. Sem julgamento, mas se alguém vai colocar uma agulha cheia de tinta permanente na minha pele, o mínimo que eu espero é um pouco de sobriedade.


     O homem disse "oi", nós dissemos "oi", ele nos convidou pra entrar, nós entramos, eu senti um pequeno cagaço. A sala cheirava a mofo mofado, com sabonete perfumado. Comecei a pensar como eu poderia escapar dali se ele quisesse fazer sei lá o que. O plano A seria fugir pela porta mesmo, o B seria pular pela janela que nem o Steve Rogers fez em Soldado Invernal, pra sair da sede da SHIELD.

  Gabe explicou nossa missão e nós mostramos os """""modelos"""" que nós estávamos """"pensando"""" em fazer. O homem nos deu mais ou menos o preço que saria, falou que a tatuagem que a Gabe queria fazer não daria certo, não nos mostrou nenhuma foto das tatuagens que ele tinha feito, explicou que não faria alteração nos modelos que nós levássemos e pediu pra que ligássemos um dia antes pra marcar o horário. UM DIA. Isso não me parece coisa de um estúdio que vai muito bem, obrigado.

    Nós agradecemos, falando que qualquer coisa ligaríamos, e saímos da casa.

    Esperei ter chegado um pouco longe da casa antes de falar alguma coisa. Aquele não parecia um lugar muito bom pra fazer uma tatuagem. E se eu tivesse que passar por uma dor quase agonizante, sentindo milhões de picadas de agulha no meu braço, dentro daquele lugar fechado e abafado, acabaria desmaiando em 10 minutos, E sinceramente, um tatuador que não faz os próprios desenhos? Que só copia o que acham na internet? Isso não dá nem um pouco de confiança nas habilidades dele. E se você for tatuador, por favor, ambientes arejados, portas destrancadas, um portfólio, talvez um copo de água. Sabe como é, criar um ambiente acolhedor, menos assustador.

     Da nossa experiência eu tiro algumas grandes lições: 1- não tome decisões baseadas na quantidade de café que você tomou no dia. 2- se for marcar a sua pele com imagens pagãs, vá em um lugar de confiança, um lugar que você já conheça o trabalho e já tenha ouvido falar bem. 3- .... não tome decisões baseadas na quantidade de café que você tomou. Sério, não tome decisões, tome água e vergonha na cara, porque você sabe que toda vez que toma café acontece uma coisa assim, e continua tomando. Chega de café pra você, mocinha.

      Eu sei que você que acabou de ler tá cagando pra isso, do mesmo jeito que todo mundo que ouviu essa história cagou, mas na hora foi engraçado e assustador. Vocês iam concordar se estivessem lá.

(Atualização: não fiz a tatuagem ainda. Tinha decidido fazer uma tatuagem de coruja que eu achei na internet, mas quando cheguei na aula umas das semanas depois, tinha uma colega de classe com a MESMA tatuagem que eu tinha escolhido. Encarei isso como um sinal do universo pra eu não fazer aquela tatuagem.)

(Gabe também não fez nenhuma tatuagem. Só quero deixar registrado.)